sábado, 27 de novembro de 2010

E agora, ouça essa...




"...Eu tenho rezado. Acredito em astrólogos, magos, duendes, cartomantes, charlatões, trevos de quatro folhas, por que não acreditaria também em Deus, nesse Deus que está quase me deixando? Todas as noites eu rezo pra Deus pedindo desculpas pelo meu sofrimento mesquinho, menor. Tanta mãe que perdeu filho, tanto trabalhador que perdeu casa em enchente, tanto jovem que perdeu braço e perna, tanto cego e tanto pobre, tanta criança pedindo esmola de pés descalços, tanto desempregado humilhado, tanta gente pedindo dinheiro emprestado para não ter a luz cortada, tanta mulher que foi deixada depois de vinte anos de credulidade no amor e que ficou com os três filhos pra criar, pra sustentar, pra explicar, tanta gente chegando aos 70 anos, aos 80, olhando pra trás e não vendo sentido em nada do que foi vivido, se deparando com o tempo desperdiçado, e mesmo assim eu rezo e ocupo ainda mais a agenda do Senhor por causa de um traste que me trocou por outra sem me deixar filho nem despesa, sem me deixar aleijada ou sem teto, apenas me deixou, apenas me deixou, apenas isso. Pai de todos, tão atarefado e ainda tendo que se ocupar comigo, logo eu que nunca lhe dei crédito antes, pecadora por desprezo e falta, eu que nunca precisei, mas que agora ajoelho e imploro por bênção: Deus, Pai, Senhor, seja você quem for, tire esse homem do centro das minhas atenções. "


(Martha Medeiros, Fora de Mim pág 40, ed. Objetiva)

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