"Maio. E o que o deveria estar seco se fortalece com a água que transborda o vaso, e o que deveria estar retorcido e morto, sobre a calçada, fazendo barulho sob os sapatos apressados, desobedece e cresce. Verde, folhas que se alimentam com a água que não pára. É maio e chove como dezembro. É tarde e choro como criança. Engulo, mais uma vez, o grito pra não incomodar os vizinhos. E me engasgo, me encolho e me dobro feito um feto. Há uma semana, a porta batida, as paredes rachadas e a casa estremecia. Há uma semana, o anjo de vidro, caiu da beira da estante. E eu desprotegido, ainda encontrando cacos, e pedaços espalhados pelo apartamento. Sob os tapetes, atrás dos móveis, nos vãos dos tacos de madeira. Uma semana e eu ainda me corto, sabendo que não deveria andar descalço. Ainda me machuco, sabendo como poderia evitar a dor do talho. O sangue das pegadas vermelhas, que se multiplicam pelo chão do quarto. E eu teimo. Ando em círculos, não há mais espaço pra cacos nas solas dos pés. Uma semana e eu mais sozinho. Maio. O que deveria estar fortalecido seca, apodrece e se retorce. Morre. É maio e chove como dezembro. Morro.
É tarde e eu só queria um buraco aberto sobre a cama. Um pouco dessa água, que não pára, pra me regar."
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